De Caruaru para as telas do mundo

Com uma história cheia de altos e baixos, o cinema em Pernambuco vem retomando a cena, abrindo espaço recentemente para produções que extrapolam os limites geográficos da capital

Por Kadu Ferraz, Adson Emanuel, Caio César, Alex Vinícius

Loucos anos 20. Momento de grande euforia e prosperidade econômica. Para livrar-se do pesadelo vivenciado com a Grande Guerra na década passada, o mundo buscava a diversão.

É neste cenário que as grandes cidades brasileiras são incentivadas a desenvolverem uma produção cinematográfica nacional em um movimento encorajado por revistas da época como a “Paratodos”, “Selecta”, a “Scena muda” e a “Cinearte”. O Recife não ficou de fora e registrou produções importantes neste ciclo histórico do cinema, ainda mudo, nos anos 20.

A cidade tornou-se centro da produção cinematográfica brasileira, produzindo 13 longa-metragens e chegando a contar com cinco produtoras que exibiram seus filmes em diversas salas, inclusive no Rio de Janeiro. O ciclo do cinema do Recife permaneceu até 1931, quando se tornou praticamente inexistente até o seu ressurgimento mais à frente. Nesse período, “O coelho sai”, escrito por Newton Paiva e Firmo Neto, figurou como o primeiro filme sonoro a ser produzido no Estado, que permanece sem muitas outras expressividades até a chegada do ciclo super-8 já na década de 70, mais especificamente no ano de 1973, quando o cinema ressurge com características inovadoras, devido à tecnologia empregada pela Kodak no formato super-8. As produções tinham forte cunho nacionalista.

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Depois de mais uma fase de abandono, o cinema pernambucano retoma a cena, em 1997, com o lançamento do filme “O Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Nos anos seguintes outros nomes, tais como Cláudio Assis, Kleber Mendonça Filho, Gabriel Mascaro, dentre outros, passam a fazer parte de uma gama de produção cinematográfica que adentrou os anos 2000, firmando Pernambuco como um dos polos geradores de um cinema respeitado, sólido e prestigiado em todo País, contudo, ainda muito centralizado em sua capital.

O processo de descentralização da produção cinematográfica em nosso Estado, bem como sua chegada a Caruaru, é bem pontuado pela professora do Núcleo de Design e Comunicação (NDC) do Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Amanda Mansur quando ela rememora que a formação do audiovisual estava centrada na Região Metropolitana do Recife, em que todo o circuito de formação, financiamento e exibição estava focada. “Quando o edital do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura/PE) se transforma na Lei do Audiovisual, há uma expansão tanto do financiamento, quanto da exibição a partir do surgimento de vários festivais, como o vale-curtas em Petrolina e Juazeiro, o Curta Taquary, em Taquaritinga do Norte, Festival de Triunfo, Festival de Caruaru, entre outros. O fato desse circuito de exibição e da Lei do Audiovisual ter dentro de seu  edital uma categoria chamada “Revelando Pernambuco”, que é para cidades com aproximadamente menos de 30 mil habitantes, estimula a produção local. Mas ainda falta formação para as pessoas dessas cidades, para que elas consigam realizar projetos que concorram com o que é realizado nas maiores. Somado ao Funcultura, que está privilegiando a expansão da produção em Pernambuco, a chegada do curso de Comunicação Social em Caruaru com ênfase em Mídias Sociais e Produção Cultural, embora já houvesse outros cursos na área de comunicação, propõe uma junção de todas as áreas da comunicação e o audiovisual é um dos campos mais fortes dentro desta. Tudo isso deu um gás na produção de cinema na cidade de Caruaru”.

 

“DESBRAVADOR É QUALQUER UM COM UMA IDEIA BOA”

Figurando entre os produtores de filmes caruaruenses, mesmo estando a produção cinematográfica nesta cidade ainda num estágio inicial, temos nomes como Eder Deó e Cláudio Assis alcançando reconhecimento nacional e internacional pelo trabalho de desbravadores da sétima arte na ‘Capital do Agreste’.

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Em entrevista para nossa equipe, o publicitário e fotógrafo Eder Deó citou Cláudio Assis ao ser questionado sobre os primeiros passos da produção cinematográfica caruaruense. Ele destacou que Cláudio colocou Caruaru no foco do cinema nacional e que a realização de festivais de cinema, tanto em Caruaru, quanto em outras cidades do interior, torna o cinema mais acessível e também instiga os diretores a produzirem mais. O próprio Deó se considera um desbravador do cinema caruaruense. “Me considero um desbravador, assim como qualquer um que tenha uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Qualquer pessoa que contribua para o cenário audiovisual é um desbravador, está ajudando a dar mais um passo como um todo. Não me sinto nem mais nem menos, apenas mais um. Trilhar por um caminho como o cinema é algo que você precisa se provar a cada trabalho”, pontua o diretor de “Imerso”, curta-metragem produzido em Caruaru que retrata a imersão de João, personagem de Aguinaldo Sena, num contexto permeado por pessoas que aparecem e desaparecem de seu campo visual. O curta chegou a ser selecionado para participar da Short Film Corner, do Festival de Cannes, na França, conquista celebrada por Deó e por todos que torcem pelo crescimento e reconhecimento da produção audiovisual não só em Caruaru, mas em Pernambuco como um todo.

As dificuldades da produção em Caruaru foram minimizadas por Eder Deó. Para ele, o avanço e a popularização das tecnologias facilitam a produção de conteúdos audiovisuais por qualquer pessoa. “Hoje em dia, a popularização da tecnologia acaba tornando as coisas mais fáceis. Vemos, por exemplo, grandes diretores gravando filmes inteiros com smartphones. Para mim, a grande questão de um filme é você ter uma boa ideia”.

 

A IMPORTÂNCIA DE FESTIVAIS
Quem produz filmes tem o desejo de ver seu trabalho projetado em uma tela grande e é para realizar esse desejo que surgem festivais que incentivam esse trabalho. Caruaru já tem o seu próprio festival desde 2013. O Festival de Cinema de Caruaru foi idealizado por Edvaldo Santos com o objetivo de desenvolver técnicas com a prática e fazer com que o mercado cinematográfico em Caruaru se desenvolva. O evento teve, neste ano, sua quarta edição que trouxe como homenageada a pesquisadora do audiovisual Yanara Galvão. Ela é formada em Comunicação desde 1997. Nesta edição, houve um aumento significativo do público, chegando a bater o recorde.
Dentro do festival, os filmes são escolhidos conforme o objetivo do projeto, sempre buscando a valorização e o estímulo de produções locais. Ter um evento assim em Caruaru revela que há produções boas, feitas por estudantes e que merecem visibilidade. Entre as categorias que concorrem aos prêmios do festival, além das produções nacionais, há espaço para estudantes na Mostra Estudantil Universitária de Curta Metragem. Neste ano, na categoria Fotografia, o vencedor foi “Os tristes Residentes do Circo Miserável” dos alunos da UFPE-Caruaru Twany Santos, Artur Rodrigues e João Gabriel. Segundo Twany, ter um festival desse tipo, que propõe o incentivo às produções audiovisuais de estudantes que estão começando agora nesse meio é muito estimulante. “É uma satisfação ter o nosso trabalho reconhecido pelo festival. Só por ter sido selecionado dentre vários outros já é bastante significativo e ter ganhado um prêmio é ainda mais importante para nós”.

O melhor post foi para “Santana do Livramento”, que também, a partir da atuação de Arary Marrocos, ganhou Melhor Atriz. “Bloody Mary”, do estudante de Comunicação Social da UFPE Pedro Fillipe, ganhou cinco prêmios: Melhor Ator (Rafael de Oliveira), Melhor Direção de Arte (Gustavo Vieira), Melhor Roteiro (Pedro Fillipe), Melhor Direção (Pedro Fillipe), Melhor Filme (Pedro Fillipe). A melhor animação foi para Fim de Paulinho Silva, desenvolvida por estudantes do CAA. O melhor documentário foi para “Mamusebá: a saga do artista popular”, de Wilker Medeiros, da Unifavip de Caruaru. O melhor filme pelo júri popular foi para “Estação: a cultura no coração de Caruaru”, dos também estudantes de Comunicação Social da UFPE Gabriella Paiva, Luis Enrique, Natália barbosa e Stephannie Laís.

 

CINEMA DE ANIMAÇÃO, UM CAPÍTULO À PARTE

Em Caruaru, o ramo da animação encontra-se também em um estágio ainda em desenvolvimento. O próprio cenário pernambucano ainda não tem muito espaço para esse tipo de produção em comparação às produções de live-actions ou documentários. O professor do Núcleo de Design e Comunicação (NDC) do Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcos Buccini lançou recentemente o livro “História do Cinema de Animação em Pernambuco” em que realiza um panorama das produções realizadas no estado.

Antes dos anos 2000, se faziam poucos filmes, tratavam-se de produções esporádicas que quase nunca se destacavam pelo seu teor amador. “Depois dos anos 2000, a produção ainda continua amadora, mas você tem um boom com a tecnologia e também porque vão surgindo os festivais, escolas de cinema. Surgem os editais, principalmente do Funcultura, que trazem não em termo de quantidade, mas em qualidade”. Além disso, Buccini percebe também que a maioria das produções cinematográficas de animação pela região de Pernambuco, incluindo Caruaru, ainda são feitas em maior escala por alunos e com um aspecto didático. “Ainda é um cinema amador. São filmes feitos dentro de uma disciplina, dentro de um curso, que têm outra meta, com o objetivo didático, não sendo profissional. No entanto, apesar disso, esse tipo de produção é um primeiro passo para que seja possível que se crie um interesse pelo trabalho profissional na área”.

Buccini é o fundador do Maquinário, o laboratório de animação da UFPE em Caruaru. Para ele, ter um laboratório que pode trazer à tona o interesse de alunos pelo campo da animação é uma semente que faz crescer um fruto importante para as produções desse tipo de filme na cidade já que basicamente a produção de animações em Caruaru é majoritariamente composta pelos filmes feitos pelos alunos nas disciplinas.

Buccini destaca que é necessário que o País ofereça suporte para o avanço das produções audiovisuais. Embora ele veja que em Pernambuco existam bons editais de incentivo a produções cinematográficas, ainda há muito a ser feito. O professor relembrou um momento em que, em uma entrevista para a revista Continente, a animadora Aida Queiroz, foi questionada sobre o futuro da animação no Brasil, e a resposta dela foi: “o futuro da animação brasileira depende do futuro do Brasil”.

 

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